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A Mãe no gênero epiceno


Em tempos de pandemia em que a morte vem diariamente rondar a casa de cada um, nos deparamos com algo que faz parte desse cotidiano no momento, a dor e o pavor que todos nós temos da morte, como disse Mário Sérgio Cortella, em uma de suas muitas entrevistas, que: o homem se consola com a morte, mas, jamais se conforma com ela, porque a razão desse inconformismo parece-nos
ser revelada nestes tempos de massiva mortandade como surgida pelo dom da maternidade, ou da natureza de ser mãe, criando fissuras no termo como de gênero feminino para mãe se tornar um termo epiceno, isto é, apropriado para designar o medo da morte causado pelo dom materno seja no homem ou na mulher.

Para melhor se entender esse dom materno, trazemos aqui uma comparação feita em 08 de maio de 2005, segundo domingo e dia das mães, em uma homilia dominical, presidida pelo padre e psicologo Pe. Aurélio Pereira, scj, cuja força de suas palavras soou como um trovão a arrebentar o peito, e me deixar sem chão, pois os ruídos desse trovão ecoaram pelos mais de quinze anos passados, chegando em 2020, com a mesma intensidade de palavras ditas no presente, e continuarão pelos anos seguintes.

Valendo-se de sua formação em psicologia, ao abordar o dia das mães, iniciou construindo a figura de perfil de uma mãe, como um grande depósito de afeto, isto é, a mãe como a maior e insubstituível fonte de afeto que um ser pode ter em sua trajetória de vivente, criando um laço de ligação umbilical inquebrável, fazendo uma comparação:
Que se Jesus pediu alguma coisa para Deus para vir à Terra e passar por todo o sofrimento, humilhação e dor que Ele passou, Ele pediu uma fonte de afeto, uma mãe. Porque a mãe foi o jeito que Deus inventou para materializar (tornar visível, perceptível, sensível), o amor Dele por nós.

A avassaladora verdade dessas palavras se deu na forma violenta e dolorosa, de se arrebentar o peito e deixar sem chão no mais estrito sentido de cada palavra, exatamente 03 de junho de 2005, festa do Sagrado Coração de Jesus, ao me deparar com a morte de minha mãe, pressionando cada vaso sanguíneo do meu corpo, o inconformismo com a morte, pois, tinha de encarar a dura realidade de não mais materializar o amor de minha mãe em mim, não conseguia mais sentir Deus em mim, não conseguia mais ter sentido na desmaterialização, diante da falta de chão sobre todos os projetos de vida que são materiais e perceptíveis e por isso, sustentados sobre alguma base materializadora.

Só ai, que foi possível reconhecer a intensidade e o imensurável “amor de mãe”, pois, junto veio também o reconhecimento de que a o dom da maternidade, aqui no sentido do gênero epiceno de maternidade/paternidade, é a renúncia da vida própria em favor de seus filhos, pois a minha dor de um amor inigualável no âmago da alma, se dá pela certeza de que ninguém jamais me amará neste mundo como ela me amou, ao ponto de renunciar a ela própria para me dar a vida, cuidar, educar e me tornar ser.

Ao reconhecer isso, a força desse amor transpassou todas as barreiras entre a vida e a morte, para me mostrar que o amor que me dava todo sentido pela materialização, é efêmero, fugaz, mas, o imensurável, onipresente e imortal é o afeto, que vive nas profundezas de cada ser, sendo o seu corpo a sua mãe, como um feto em gestação, que é cuidado a cada dia.

Este feto guardado no íntimo do ser, sendo o corpo, um invólucro, uma embalagem, ou nas palavras da sabedoria, um templo, como uma mãe grávida a carregar em si a vida, com ele está tão ligado como à mesma junção umbilical de mãe e filho, que não se conforma em dele se separar, assim renuncia a tudo para que a proteção à essência da vida, ao templo, não seja destruída, maltratada, profanada, que chamamos de medo da morte.

Sente-se como uma nave, a guiar um passageiro, uma semente a proteger os segredos vitais da planta, ao ponto de esquecer-se de que se ela carrega a vida, é porque a vida se permite ser carregada, e que, assim como amor do mundo é efêmero e fugaz durando um tempo de gestação, ao se aproximar as dores de parto, ela sente medo, dor, e pavor, esquecendo-se da alegria que virá depois pelo novo nascimento de vida nova.

E, se as palavras de Pe. Aurélio Pereira, scj, acertam ao dizer que a mãe é o jeito que Deus inventou para materializar o seu amor por nós, para a desmaterialização, ou pós-parto, certas também são as palavras de que o Filho foi o jeito que Deus inventou para adotar o homem com filho, pois, se antes de nascer pediu a Deus, ao enfrentar a morte, olhou para sua mãe e pediu para que ela adotasse os que Ele amava: eis o teu filho, e a partir daquela hora, todos os que a acolheram, deu o poder de tornar-se filhos de Deus, que grande presente Deus nos deu, de sermos chamados de filhos, e nós o somos, pois, não nascemos nem da carne, nem da vontade do homem, mas do Espírito, fonte do Afeto, pois a própria mãe se tornou feto, e renasceu como Afeto.

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