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Quando o Direito não alcança a Justiça


Diante da fidelidade do homem ao bem, em que há um propósito de vida para o bem comum, isto é, vida com dignidade para todos, e não apenas para si próprio, fundada no respeito, na justiça e no amor, cujos preceitos foram escritos desde os primeiros tempos da humanidade, foi estabelecido um projeto para a humanidade, que vinculou os preceitos de dignidade e justiça com as condutas humanas, isto é, o homem aje, tendo em si, o propósito de praticar o bem comum, construindo uma sociedade que seja justa.

Essa aliança de amizade narrada no testamento de Noé, é testemunhada pela Natureza Divina, através da água, e foi referida por Pedro, apóstolo de Cristo, como o Batismo da Arca (1Pd, 3,21), porque signficou para o homem, os fundamentos da dignidade da vida que devem nortear o caminho em sociedade, ao qual, naquela oportunidade, o homem se propôs a segui-los como garantia da preservação da espécie humana.

Se as condutas humanas começaram ser geradas a partir de preceitos de dignidade e justiça, na medida em que elas vão sendo esquecidas no coração do homem pelas gerações posteriores, elas passaram a inspirar o Direito, como meio de se coagir a prática de determinadas condutas, sob o argumento de se manter a ordem pelo cumprimento da lei, portanto, o Direito é uma criação humana,  visando alcançar a Justiça que está acima dele.

Se o Direito se impõe através da coação, a obrigação imposta, ou, medida coatora, é um elemento do interesse humano, e não essência da Justiça,  e, com isso, o Direito transforma-se em um sistema que aceita interesses, que por sua vez, vai se permitir incluir outras características humanas, entre elas os próprios vícios, como o favor próprio,  nas formas de leis casuístas, e assim, o Direito se afasta da Justiça. 

Aos se incluir os interesses à Justiça, quebra-se a  opção de adesão à Justiça, ou imparcialidade, porque distante do coração do homem em interessar-se pelo bem comum, a sua conduta se dá pelo seu favor próprio, ao passo que, ao se praticar a Justiça para alcançar o bem comum ao invés do favor próprio, se excedeu a prática do Direito (Rm 13, 10), como já disse Paulo, apóstolo de Cristo aos Romanos, que são os pais do Direito.

Mas, ao contrário, afastando-se da Justiça ao se praticar unicamente o Direito, se desvia do bem comum, e, o Direito padece porque não alcança a Justiça, como se constata nos dias presentes, pela grande distância que há entre o Direito e a Justiça, pois, o Direito ao invés de garantir a dignidade da vida, fere a dignidade do homem,
Crédito: Café/Pixbay
como ecoado nas palavras
da Ministra Camém Lúcia, Presidente do Supremo Tribunal Federal quando disse: “temos um débito enorme com a sociedade” [1].

Essa declaração indica também que a ineficácia do sistema jurídico, que sob o pretexto da ordem,  traz em si, os vícios do favor próprio e interesses, ditados pelo Direito, por isso afastam-se  do pacto de Justiça ou aliança inicial, preterindo o bem comum.

Mas, depois de mais de 5.000 anos desse pacto, como seguir a Justiça, se ela não se mostra ao homem como um preceito material, visível, como por exemplo, na forma de um mapa do tesouro com a marca de um “X” no seu ápice, uma vez que, o selo deste pacto, está guardado nas profundezas de seu coração, estando encobertas pelas entranhas, como verdadeiras nuvens que protegem um tesouro escondido, através das membranas plasmáticas que absorvem os DNAs, que são as raízes do homem?

Por causa disso, o Direito ao ser ver em meio à tantas núvens, se corrompe ao orientar-se pelos vícios humanos do favor próprio, que são visíveis e aparentam-se serem apetitosos, gritando em todas as esquinas, de que é esse o verdadeiro fundamento da dignidade da vida, afastando-se da Justiça cada vez mais, porque perdeu-se em meios aos nevoeiros, seguindo o caminho da morte como testemunhado nas palavras do Presidente da República: “É intolerável que estejamos enterrando pais e mães de família, trabalhadores honestos, policiais, jovens e crianças. Estamos vendo bairros inteiros sitiados, escolas sob a mira de fuzis, avenidas transformadas em trincheiras....” [2].

Para onde ir para se alcançar a dignidade da vida? Para onde seguir para se praticar a dignidade vida? Até quando o homem insistirá em impor sua vontade sobre os preceitos de Justiça, fazendo-a sua refém?

Diante do caminho da morte, a Justiça é clemente com o homem, pois lhe permanece fiel desde o início, e lhe revela em meio a tantas névoas, o sinal do pacto da vida: convidando a não agir mais pela coação, mas sim, pela livre adesão a ela ao olhar para o “Arco-Iris”, pois, sob a sua base existe um pote de ouro, guardado há mais de 5.000 anos, que o tempo não apagou, pois ele estava lá no passado, e, também continua a estar aqui, no presente, se mostrando através do Batismo da Arca, para que o homem, diante da indignidade da morte, possa voltar-se à Justiça, na forma de se fazer um pedido a Deus para se obter uma boa consciência em virtude da Ressurreição de Cristo (1Pd 3,21).
Diante da chama que brilha no meio da escuridão, o homem se torna capaz de ouvir os apelos para a dignidade da vida que diz: o tempo já se completou, voltai-vos aos preceitos da aliança que constitui a dignidade da vida ( Mc 1,15), afastando-se do vício do favor próprio e aproximando-se do bem de todos. 

Voltai os preceitos que aderem à Justiça para que o Direito seja construído sem o interesse do homem.

Texto baseado na liturgia do Ano B - 1º Domingo da Quaresma

[1] LÚCIA, Carmem. Discurso da Presidente do Supremo Tribunal Federal em inauguração do presídio de Formosa-GO. In Notícias do STF. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=369292>. Acesso em 17 fev. 2018.
[2] TEMER, Michel. Discurso do Presidente da República sobre a intervenção no Estado do Rio de Janeiro. Disponível em <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/02/16/na-tv-temer-repete-discurso-e-diz-que-situacao-do-rio-exige-medida-extrema.htm>. Acesso em 17 fev. 2018.

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